5 de abril de 2011

Dendê de Tomé-Açu

Segue na íntegra matéria de O Liberal sobre o Dendê de Tomé-Açu.
EVANDRO FLEXA JR.
Da Redação

Ao contrário do que planejava o governo Federal, o cultivo da palma de óleo no município de Tomé-Açu, nordeste paraense, está arrancando o agricultor do campo, e germinando uma série de mazelas na zona urbana da região. Quando idealizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, ganhou diretrizes que beneficiavam economicamente a agricultura familiar, tornando factível uma parceria entre grandes grupos empresariais e pelo menos 7 mil agricultores, donos de pequenas propriedades. Contudo, o projeto assumiu características mercantilistas, dando espaço à monocultura - com a negociação de praticamente todos os pequenos lotes - e a um incoercível êxodo rural.  

Durante a fase de implantação, o pontapé inicial dado pelo governo do Pará foi o estabelecimento de um Protocolo Socioambiental para a produção de Óleo de Palma no Estado. Das doze empresas atuantes, oito se comprometeram com as diretrizes: Novacon Reflorestadora Indústria e Comércio de Madeiras Ltda, Consórcio Brasileiro de Produção de Óleo de Palma (Biovale), Agroindustrial Palmasa S/A, Dendê do Tauá - Dentauá, Dendê do Pará S/A - Denpasa, Galp Energia - Portugal, Marborges Agroindústria S/A e Petrobrás Biocombustível. Entre as regras estavam a proibição do plantio em áreas desmatadas posterior a 2006; o combate a monocultura; e a integração da agricultura familiar entre os pequenos, médios e grande produtores.

A regulamentação, no entanto, ficou só no papel. De acordo com os levantamentos feitos pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tomé-Açu (STTR), nos últimos dois anos, 40% dos agricultores locais venderam suas terras, e foram habitar as zonas periféricas do município. Segundo estimativa do STTR, até o final de 2012, este número chegará a 70%. A cidade, no entanto, não possui infraestrutura para receber este contingente. Pelo menos é o que afirma a diretora financeira do Sindicato, Maria de Nazaré Souza, ou simplesmente, Paula. "Os pequenos produtores dizem não ter estrutura para plantar a palma, que é de caro cultivo. Por outro lado, as grandes empresas, responsáveis por orientar, ao invés de fomentar a agricultura familiar, estão comprando as terras, e tirando o homem do campo, do campo", afirma.

Conforme assegura a sindicalista, os grandes produtores fazem propostas tentadoras aos agricultores, que por sua vez estão endividados junto aos bancos, e acabam aceitando valores muito abaixo do real. "Terras de 25 hectares, por exemplo, que valem R$ 40 mil, estão sendo negociadas por R$ 5 mil. Muitos destes pequenos proprietários têm pouco estudo, e nenhuma noção da avaliação. Os mais sabidos encarecem para R$ 20 mil - e ainda assim o valor está baixo da realidade", pontua. A diretora do STTR chama os compradores de "atravessadores", pois, segundo ela, as terras estão sendo revendidas para as grandes empresas. "Quase não existem mais terras. Uma destas empresas, além de dificultar a parceria com o pequeno produtor, está comprando tudo", denuncia.

Aqueles que hesitam em não vender as terras, e tentam produzir a palma de óleo, encontram outras dificuldades. O Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo do MDA estipulou um limite máximo de 10 hectares de dendê para a agricultura familiar, tendo o aporte financeiro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com financiamento de até R$ 65 mil, juros de 2% ao ano e prazo de até 20 anos para quitação. O agricultor, no entanto, teme não conseguir pagar a dívida, e consequentemente perder sua propriedade. "É neste momento que entra a pressão do grande produtor para comprar a terra. O pequeno agricultor se enxerga na condição de falido, e acaba vendendo", conta.

Segundo explica o presidente do STTR, Raimundo Nonato Martins, com o dinheiro na mão, após vender sua pequena propriedade, o agricultor paga as dívidas, e com o restante passa a morar na zona periférica de Tomé-Açu. "Neste momento, o ex-plantador vai atrás de emprego nas companhias que atuam no beneficiamento da palma. Mas nem sempre ele consegue", afirma. Ele reclama da falta de apoio das grandes empresas, como o Consórcio Brasileiro de Produção de Óleo de Palma (Biovale), a Agroindustrial Palmasa S/A, e a Petrobrás Biocombustível, por exemplo, no sentido de qualificar a mão de obra local. "Estamos fazendo o trabalho braçal. Os cargos mais técnicos, de melhores salários, são destinados a profissionais de outros Estados", critica.

Outra queixa do sindicalista está nos altos custos da produção. De acordo com Nonato, cada hectare permite o plantio de 147 mudas, sendo que cada uma delas custa algo em torno de R$ 15. "Nos dez hectares permitidos pelo Ministério (MDA) é possível plantar 1.470 mudas, ou seja, serão investidos apenas nos pés de palma cerca de R$ 22 mil. Temos ainda o adubo e as máquinas necessárias para cultivar a planta. Desta forma, fica totalmente inviável para o pequeno produtor", assevera, ressaltando que as mudas deveriam ser doadas pelas signatárias do Protocolo Socioambiental que foi assinado durante a elaboração do projeto. 

ÊXODO

Com tantos entraves, é comum encontrar placas de "vende-se" na porta das propriedades, ao longo da PA-140 - que interliga os municípios de Concórdia do Pará e Tomé-Açu. O agricultor José Geraldo Barroso, por exemplo, está negociando os seus 193,7 hectares - o que seria uma propriedade de médio porte. Segundo ele, a falta de incentivos do poder público é a maior justificativa.  "Esta parceria com as grandes empresas não é viável. O plantio fica caro, e não há estímulos. É preciso cumprir com uma série de exigências que os grupos empresariais fazem. Se eles dessem apoio, tudo bem. Mas, com tantas dificuldades impostas, percebemos que os grandes fazem tudo isso para que desistamos", afirma. Segundo Barroso, o processo é muito burocrático. "As empresas querem tomar conta do nosso território", destaca.

A riqueza e o desenvolvimento idealizados a partir do dendê de Tomé-Açu deram lugar à miséria, à prostituição infantil, ao tráfico de drogas e à violência - todos resultantes do êxodo rural que ocorre aceleradamente na região. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, o volume de áreas de invasão dobrou nos últimos dois anos - e mais da metade dos 56 mil habitantes do município reside em áreas periféricas. A violência e a prostituição infantil foram os problemas que mais se agravaram neste período, segundo conta a conselheira Tutelar, Socorro Rodrigues. "Ao todo, são mais de 30 casos por mês, em uma cidade que até 2008 não tinha nem 15 ocorrências anuais. Estamos com sérios problemas para tratar isto, pois, nossa infraestrutura de carros e técnicos não comporta todo este volume", afirma.

Rodrigues diz acreditar que, com a entrada de novas empresas na exploração do dendê, a tendência é que este crescimento seja ainda maior. "É totalmente previsível um inchaço populacional. Percebemos que, em alguns casos, os trabalhadores que atuam nestas firmas não trazem a família, e passam a procurar as meninas da própria região. Com isso, se expande o número de garotas menores envolvidas com prostituição infantil, além do descontrole da natalidade", pontua. A conselheira garante que a maior parte das mazelas é gerada pelo fluxo migratório, já que o produtor rural está trocando o campo pela cidade, sem a menor estrutura para fazê-lo. "Os agricultores chegam sem orientação, e acabam caindo na criminalidade. Por este motivo, aumentou, e muito, a violência e o índice de tráfico de drogas em Tomé-Açu", comenta.

E foi para o tráfico de entorpecentes que a aposentada, e ex-agricultora, Venina Cascae, de 74 anos, perdeu a convivência de dois filhos e da nora - que hoje estão presos. Moradora de um bairro periférico e distante do centro comercial de Tomé-Açu, a aposentada tem a incumbência de criar, sozinha,  oito netos. Com apenas um salário mínimo, dona Venina Cascae precisa prover o pão de cada dia, auxiliar na educação dos netos, comprar medicamentos e manter atualizadas as contas básicas da pequena moradia de quatro cômodos. Sem móveis, eletrodomésticos,  ou o mínimo de luxo, a velha casa de madeira é tudo que a aposentada diz ter, além da companhia das crianças - todas com menos de 18 anos. Cascae deixou suas terras, localizadas em Arapiragem - um distrito de Concórdia do Pará -, há três anos, para tentar uma vida melhor na cidade. Ela não teve mais notícias do terreno depois que se mudou com os filhos, porém, o arrependimento está estampado no semblante da aposentada. "No interior era melhor. Lá eu tinha roça, fazia minha farinha. Aqui, quem não tem dinheiro, não come", declara.

Assim como a história de Venina Cascae, centenas de outras se espalham pelo município a cada caminhão que entra diariamente na cidade, repleto de agricultores que deixaram para trás a vida no campo. A situação chega a ser preocupante para a secretária Municipal de Assistência Social de Tomé-Açu, Maria Edileuza dos Santos. "Temos o bairro da Portelinha - a maior periferia da região -, composto em sua grande maioria por ex-plantadores que abandonaram seus distritos", afirma. A secretaria se questiona por qual motivo os lavradores estão deixando o campo, já que o projeto lançado pelo governo Federal tinha o sentido inverso. "Se continuarmos neste ritmo, daqui a cinco anos não teremos mais produtores rurais em Tomé-Açu - e tampouco em nenhum outro município do nordeste paraense", assevera, ressaltando que as grandes empresas produtoras e beneficiadoras do dendê não terão capacidade para empregar a todos.

Sem terra e sem emprego, os pequenos produtores rurais de Tomé-Açu começam a disputar cada palmo de chão da localidade. As 70 famílias do assentamento Mancha Negra, por exemplo, foram despejados de uma área que segundo o STTR havia sido desapropriada. De acordo com o presidente do Sindicato, Raimundo Nonato Martins, o local não possui documentação, e mesmo assim foi comercializado. Ninguém da fazenda Mancha Negra - nome que intitulou o assentamento - quis receber a equipe de reportagem. Segundo a coordenadora do acampamento, Kátia Reis, as famílias trabalhavam com agricultura no território, que estava desapropriado há três anos. A área de 4.225 hectares possui uma grande variedade de árvores, porém, nunca foi permitida a exploração de madeira do local. "Hoje, as pessoas que nos expulsaram estão desmatando e acabando com a nossa horta", lamenta. Os secretários municipais de agricultura e de meio ambiente foram procurados, mas não foram localizados.

SOLUÇÕES

A preocupação com os problemas vivenciados em Tomé-Açu já começam a fazer parte dos discursos na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). O deputado Estadual Valdir Ganzer (PT) solicitou uma audiência pública, envolvendo a Vale, a Petrobrás, a Fetragri, as Prefeituras e Câmaras Municipais da região, a Agropalma, a Dendê Tauá, a Marborges, o STTR, o Iterpa, a Fetrafi e a Fiepa para debater o assunto. "Entendemos que o projeto dendê é irreversível e importante para a economia dessas regiões e por que não dizer de nosso Estado. Vai gerar muito emprego e renda, recuperar áreas degradadas, verticalizar a produção, atrair novas  indústrias, produzir combustível limpo. Só queremos saber a que preço o Pará vai usufruir desse progresso", afirma. De acordo com Ganzer, a Casa Legislativa vai acompanhar de perto as ações das empresas. "Queremos fazer com que toda essa riqueza se propague de mão em mão e beneficie a todos que nela estão envolvidas", afirma.

Através de nota, a Petrobrás informa que a área de implantação da Usina ainda está sendo estudada. O empreendimento terá capacidade de produzir 120 milhões de litros de biodiesel por ano para atender a região Norte. O investimento previsto é de R$ 330 milhões. Além da unidade de produção de biodiesel, o projeto prevê a instalação de dois complexos industriais de extração do óleo de palma, incluindo esmagadoras e unidade de co-geração de energia elétrica. Com isso, a usina vai envolver 1.250 agricultores familiares da região chamada Pólo do Dendê, nos municípios de Igarapé-Miri, Cametá, Mocajuba e Baião. Além de gerar 2 mil empregos diretos. A nota garante ainda que  o projeto Pará está em fase de implantação da parte agrícola com o desenvolvimento do viveiro de mudas, no município de Mocajuba. O plantio das mudas nas áreas de produção está previsto para dezembro de 2011.

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